" Disse também: Um homem tinha dois filhos. O mais moço disse a seu pai: Meu pai, dá-me a parte da herança que me toca. O pai então ...

O Filho Pródigo - Metropolita Anthony Bloom de Sourozh

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"Disse também: Um homem tinha dois filhos. O mais moço disse a seu pai: Meu pai, dá-me a parte da herança que me toca. O pai então repartiu entre eles os haveres. Poucos dias depois, ajuntando tudo o que lhe pertencia, partiu o filho mais moço para um país muito distante, e lá dissipou a sua fortuna, vivendo dissolutamente. Depois de ter esbanjado tudo, sobreveio àquela região uma grande fome e ele começou a passar penúria. Foi pôr-se ao serviço de um dos habitantes daquela região, que o mandou para os seus campos guardar os porcos. Desejava ele fartar-se das vagens que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. Entrou então em si e refletiu: Quantos empregados há na casa de meu pai que têm pão em abundância... e eu, aqui, estou a morrer de fome! Levantar-me-ei e irei a meu pai, e dir-lhe-ei: Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados. Levantou-se, pois, e foi ter com seu pai. Estava ainda longe, quando seu pai o viu e, movido de compaixão, correu-lhe ao encontro, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou. O filho lhe disse, então: Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Mas o pai falou aos servos: Trazei-me depressa a melhor veste e vesti-lha, e ponde-lhe um anel no dedo e calçado nos pés. Trazei também um novilho gordo e matai-o; comamos e façamos uma festa. Este meu filho estava morto, e reviveu; tinha se perdido, e foi achado. E começaram a festa. O filho mais velho estava no campo. Ao voltar e aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças. Chamou um servo e perguntou-lhe o que havia. Ele lhe explicou: Voltou teu irmão. E teu pai mandou matar um novilho gordo, porque o reencontrou são e salvo. Encolerizou-se ele e não queria entrar, mas seu pai saiu e insistiu com ele. Ele, então, respondeu ao pai: Há tantos anos que te sirvo, sem jamais transgredir ordem alguma tua, e nunca me deste um cabrito para festejar com os meus amigos. E agora, que voltou este teu filho, que gastou os teus bens com as meretrizes, logo lhe mandaste matar um novilho gordo! Explicou-lhe o pai: Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Convinha, porém, fazermos festa, pois este teu irmão estava morto, e reviveu; tinha se perdido, e foi achado." – Lucas 15: 11-32


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"Está parábola é extremamente rica em significado. Nela repousa o centro da espiritualidade Cristã e de nossa vida em Cristo. Pega o homem em cada momento quando ele foge de Deus, abandonando Ele para seguir seus próprios passos nesta ilha de delírio, onde ele espera encontrar plenitude e vida em abundância. Está parábola descreve também o progresso – lento no começo e triunfante no final – que traz ele de volta, arrependido e livremente rendido para a casa de seu pai.

Um ponto primordial é que está parábola não é simplesmente a história de um único pecado. É o pecado na sua maior natureza essencial que é revelado para nós, junto com seu poder destrutivo. Um homem tinha dois filhos: o mais jovem clamava de seu pai o direito dele de herança. Estamos tão acostumados a uma restrição com que o Evangelho retrata a cena que a lemos sem perturbação – para nós, é apenas o começo da história. E ainda, se parássemos um momento para ver o que as palavras implicam, seríamos atingidos com horror. Está simples frase “Pai, dê-me...” significa ‘Pai, dê-me, aqui e agora, o que será meu de qualquer jeito quando você estiver morto. Eu quero viver minha vida, você está no caminho; não posso esperar para que morras, eu seria muito velho para aproveitar o que a riqueza e liberdade podem trazer-me: então, morra! Você não existe mais para mim, estou crescido, não preciso de pai, o que eu quero é liberdade e todos os frutos de sua vida e trabalho, morra e deixe-me ir’. Não é está a essência do pecado? Não falamos também para Deus tão suavemente como o filho mais jovem no Evangelho, mas com a mesma ingênua crueldade, pedindo a Deus todo que Ele pode nos dar, saúde, força corporal, inspiração, esplendor intelectual, tudo o que podemos ser e tudo que podemos ter, ao pegar dele e desperdiçá-lo, deixando completamente esquecido e abandonado? Nós também não cometemos este assassinato espiritual tanto contra Deus e contra nosso próximo – filhos e pais, maridos e esposas, amigos e relações, companhias na escola e no trabalho? Também não comportamos como se Deus e o homem não tivesse outro propósito além de labutar e dar-nos os frutos de suas vidas, suas vidas de fato, enquanto eles próprios não tem significado importante para nós? As pessoas, o próprio Deus, não são mais pessoas, mas circunstâncias ou coisas. E, tendo pegado tudo o que eles podem nos dar, viramos as costas para ele e encontramos nós mesmos infinitamente longe daqueles que não tem face mais para nós, sem olhos que podemos conhecer. Apagando a existência do doador, nós nos tornamos donos do nosso próprio direito e nos excluímos do mistério do amor, pois não somos mais capazes de receber e somos incapazes de dar. Está é a principal essência do pecado – excluir o amor, alegando dele que ama e dá que ele deveria sair de nossas vidas, aceitar a aniquilação e morrer; este assassinato metafísico do amor é o ato do pecado, o pecado de Satã, de Adão e Caim. 

[...]

Entretanto, veio o tempo em que a riqueza o traiu, e quando tudo se foi e nada resta para seus amigos, mas ele mesmo. De acordo com a inexorável lei do mundo secular e espiritual (Mateus 7:2: “com a medida que tiverdes medido vos hão de medir a vós”), todos abandonaram-no, pois não passou a ter necessidade para eles e seu destino espelha o de seu pai: ele não existe mais para eles, está só e destituído. Está faminto, sedento, sentindo frio, desolado e rejeitado. Foi deixado sozinho assim como ele deixou seu pai, mas enfrenta uma miséria infinitamente maior - seu nada interior; enquanto seu pai, apesar de desertado, foi rico com uma invencível caridade, essa caridade que o fez entregar sua vida pelo seu filho, aceitar a repudiação, assim seu filho poderia livremente seguir seu caminho. Ele encontra um trabalho, mas é para ele a maior miséria e degradação – ninguém o alimenta e ele não sabe como encontrar comida. E que humilhação ao cuidar dos suínos! Um símbolo de impureza para os Judeus, impuro como os demônios que Cristo o expulsa. Seu trabalho é uma parábola de seu estado, sua impureza interior coincide com a impureza ritual de seu rebanho de porcos. Ele alcançou o fundo do poço e, agora, na profundidade que lamenta sua miséria.

Nós também, frequentemente, lamentamos nossa própria miséria mais do que damos graças pela alegria de nossas vidas, não porque nossos sofrimentos são pesados, mas porque os encaramos tão covardemente, tão impacientemente. Abandonado por todos os seus amigos, rejeitado por todos os lados, ele permanece face a face consigo e, pela primeira vez, olha o interior.  Liberto de toda sedução e atração, de todas as mentiras e armadilhas que ele pensava ser libertação e realização, ele recorda de sua infância, o tempo quando ele tinha um pai, quando não era um órfão, ainda não tinha se tornado um errante sem lar. Ele percebe também que o assassinato moral que cometeu não matou pai, mas ele, que seu pai deu sua vida com total amor que ele poderia permitir-se à esperança, e levantou-se, deixando para trás sua existência precária, partiu para a casa de seu pai, resolveu-se atirar-se aos pés da misericórdia de seu pai. Não é apenas a lembrança de sua casa, do fogo na lareira e de uma mesa carregada de comida que o faz começar; a primeira palavra de sua confissão não é “perdoa-me”, mas “Pai”. Ele recorda-se que o amor de seu pai foi lhe dado livremente, e que todas as boas coisas da vida vieram dele, (Cristo disse “Buscai primeiro o Reino de Deus, e o resto vos será dado por acréscimo”). Ele não está voltando para um estranho que não o reconheceria, para alguém que ele diria “Não se lembra de mim? Houve um tempo quando você tinha um filho que te traiu e abandonou, sou eu”. Não, é o nome de “pai” que brota do fundo, que acelera seu ritmo, que permite-o esperar. E nisto ele descobre a natureza verdadeira do arrependimento, pois o verdadeiro arrependimento mistura-se a visão própria do mal e a certeza de que existe um perdão para nós, pois o amor verdadeiro não pode falhar nem ser extinto. Quando há apenas uma desesperançosa visão de nossas próprias faltas, o arrependimento permanece incompleto; traz remorso e pode levar ao desespero. Judas não entendeu o que ele tinha feito, viu que sua traição era irremediável; Cristo foi condenado, ele tinha morrido. Mas ele não se lembrou que o Senhor se revelou a si mesmo e ao Seu Pai Celestial, ele não entendeu que Deus não o trairia como ele o traiu. Ele perdeu toda esperança, e saiu e enforcou-se. O seu pensamento estava com seu pecado, com ele mesmo, não com seu Deus, o Pai de Jesus e seu Pai, também."



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